quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Uma observação

A discussão decorrente da postagem sobre dislexia (9/11) ainda não se esgotou. Depois de alguns dias sem comentários, há novas contribuições lá hoje.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Dias mágicos

Ontem, na sala de espera de um consultório médico, eu me sentei ao lado de uma senhora de uns 80 anos mais ou menos, que estava com seu marido e um filho que os acompanhava. Em pouco menos de meia hora, conversamos sobre chuvas, enchentes, violência, religião, filhos, doenças, etc. Ela não sabia muito bem em que estação do ano estávamos, se fazia frio ou calor. Eu disse que estávamos no verão e ela então se lembrou que era quase Natal, "não tem mais Natal como tinha antes né minha filha?". Começou a se lembrar das ceias que a mãe fazia, das roscas para o café da manhã do dia 25 e das broas de fubá com erva-doce, "nem em padaria tem mais minha filha, nunca mais comi daquelas broinhas, nunca mais". Perguntou se eu já tinha comido. Eu respondi que sim e disse a ela que, em Minas, ainda é possível encontrar coisas assim. "Ô minha filha, você bem que podia trazer umas broinhas pra mim né? Eu deixo meu telefone e daí quando você for na minha casa levar, eu te dou o dinheiro." O filho dela chegou perto pra ver o que é que estava se passando eu eu disse a ele que prometi a sua mãe, trazer de Minas, broinhas de fubá com erva-doce. Acho que essa meia hora fez bem a mim, mais do que a ela. Concordo que o Natal não é mais a mesma coisa. Antes, éramos crianças e dia de Natal era mágico. Lembro-me da montagem da árvore na casa da vovó, dos passeios com meus pais e meu irmão no centro da cidade do interior pra ver Papai Noel e as ruas enfeitadas com aquelas bolas gigantes. Não tinha shopping ainda. Todos, ricos e pobres, iam aos mesmos lugares pra fazer suas compras ou simplesmente, pra passear. Os presentes ficavam embrulhados e só podiam ser abertos na noite de Natal. Que bom se ansiedade fosse aquilo. Lembro-me do Manequinho, o primeiro boneco com pipi e tudo, que fazia xixi de verdade. Da Amélia, que vinha com tábua de passar roupa e ferro. Nem sei se ainda existe uma boneca assim. Ou com esse nome. Tinha também a Tippy com bicicleta e um cavalo de rodinhas. Lembro-me do meu avô bravo quando um de nós chegava atrasado. Das histórias de mocidade que ele contava milhões de vezes e que seria tão bom se pudéssemos escutar de novo. Na hora da ceia, ele dizia que talvez aquela fosse a última. No ano seguinte, estava ele lá, contando histórias e se despedindo mais uma vez. Antes da ceia, chorava quando escutava minha avó tocando o piano de calda que foi presente dele muitos anos antes. Lembro-me dos envelope$ gorduchos que ele preparava e esperava pra distribuir (um pra cada um) com a mesma ansiedade com que esperávamos para abrí-los. Da torta de bombas pretas e brancas que meus tios traziam da Brunella de São Paulo. Dos fios de ovos. Dos vizinhos que atravessavam pra dar Feliz Natal, dos parentes que não deixavam de dar uma passadinha. Do meu irmão de Papai Noel. Apesar da resistência de alguns (alguns poucos) que defendem um Natal menos comercial, Natal e Papai Noel são inseparáveis. Essa figura mágica está por todos os lados e, especialmente, na fantasia das crianças. Na minha casa, todos os anos, meus pais faziam um enfeite no jardim. Quase todos que passavam na porta, davam uma paradinha pra olhar. Talvez, o que chamasse tanto a atenção, era justamente a simplicidade. Não tinha Papai Noel subindo pelo telhado, meia, sino, nada disso. Apenas um Menino Jesus, pequeno, deitado numa manjedoura e bem pouco iluminado. Só isso. Singelo assim. Com essa imagem, sem nenhuma palavra, meus pais conseguiram nos transmitir algo mais essencial. Mas fizeram isso, sem tirar de nós a magia do Papai Noel, a graça dos presentes, os sabores das comidas e das bebidas. Eu desejo a todos um Natal com essa combinação. E que nossos filhos tenham, lá na frente, boas razões pra sentir saudades do Natal que passavam na infância.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Um comentário

Eu não pensei que pudesse causar reações tão desproporcionais com uma postagem, como aconteceu com a última. Em primeiro lugar, pela falta de relevância deste blog. Recebo apenas as visitas fiéis de todos os dias: mãe, marido, filho e alguns poucos amigos. Em segundo, pela certeza de que não havia nada de ofensivo ou desrespeitoso no meu texto, que pudesse provocar tais reações. Eu apenas falava sobre parte de uma palestra proferida por uma professora da Unicamp. É claro que ao divulgá-la aqui, de certa forma, tomo uma posição. No mundo da ciência, tomar posição é direito de todos nós. Da mesma forma que é dever, respeitar aqueles que defendem uma idéia diferente da nossa. Quase todos os comentários deixados neste "post" (a grande maioria de pais e mães de crianças com diagnóstico de dislexia) foram agressivos, desrespeitosos e ofensivos. E o mais curioso é que, as duas posições, opostas no que se refere ao conteúdo das idéias, estavam exatamente de um mesmo lado, no que se refere ao objetivo maior: a busca da melhor maneira de atender às reais necessidades de crianças que apresentam problemas no desempenho escolar. No entanto, ele (o objetivo) ficou perdido no meio de tantos ataques. Uma pena.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Dislexia existe?

O que já foi cegueira verbal congênita, lesão cerebral mínima, dislexia específica de evolução, dislexia de desenvolvimento, entre outros nomes, é hoje a tão falada e tão pouco conhecida dislexia. Na Câmara Municipal de São Paulo, há um projeto de lei do vereador Juscelino Gadelha (PSDB), feito em parceria com a ABD (Associação Brasileira de Dislexia) e já aprovado em primeira instância, que propõe um programa para diagnosticar alunos disléxicos em toda a rede de ensino, e encaminhá-los para tratamento. Especialistas de Instituições como o Conselho Regional de Psicologia, a USP e a Unicamp são contrários à aprovação do projeto por acreditarem que a dislexia, como doença neurológica de quem tem dificuldades para ler e escrever, nunca foi devidamente comprovada. Segundo eles, um projeto assim contribui apenas para a estigmatização de crianças, desconsiderando as questões sociais. No dia 21 de setembro deste ano, houve um seminário na Câmara, para se discutir o tema antes da segunda votação. Uma das palestrantes convidadas, a Doutora Maria Aparecida Afonso Moyses, professora titular em Pediatria Social da Unicamp, fez uma brilhante explanação sobre as razões da não aprovação do projeto pelas Instituições citadas. Ela traz inicialmente a definição da doença mais aceita pelos autores e entidades que defendem a existência da dislexia e à partir daí, vai questionando a falta de embasamento científico, tanto para o reconhecimento da dislexia como distúrbio neurológico, como para a forma como é feito o diagnóstico. Segundo esta definição oficial, a dislexia seria um distúrbio neurológico, que comprometeria apenas a escrita e a leitura. Para confirmação, utiliza-se instrumentos de escrita e leitura. Ou seja, usa-se linguagem escrita para diagnóstico da dislexia que tem como único comprometimento justamente a linguagem escrita. Do ponto de vista médico e científico, isso é totalmente contraditório. Uma avaliação assim só vai confirmar a existência da própria dificuldade e não, se há ou não distúrbio neurológico. Durante a palestra, a professora Maria Aparecida questiona a falta de rigor científico em alguns exames. Um exemplo é a existência de simetria de neurônios no plano frontal para comprovação do diagnóstico de dislexia. A falha no rigor é mostrada num estudo (curiosamente do mesmo autor que defende esse diagnóstico) que mostra que 16% da população "normal" também tem a tal simetria. Um outro exemplo é a presença de ectopia neuronal (quando um neurônio que deveria estar numa região, vai para outra), em algumas áreas do cérebro. Aqui, a falta de rigor está na ausência de estudos da ectopia neuronal na população dita normal. Para a professora, é complicado dizer que uma doença neurológica se caracteriza por questões que também estão presentes em qualquer pessoa que tenha dificuldade para ler e escrever, pelos mais diferentes motivos. Ela dá como exemplo exames de neuroimagem que precisam ativar o cérebro na função que está sendo avaliada. No caso da dislexia, essa ativação se dá, novamente, por meio de instrumentos de escrita e leitura. Uma pessoa que não sabe ler, em consequência de uma alfabetização mal sucedida por exemplo, pode ter essa função diminuída como uma reação saudável a testes que tenham como objetivo avaliar seu desempenho em leitura. São duas as principais questões que ela nos deixa: uma, se as dificuldades em leitura e escrita não seriam reflexo da diversidade, não só de seres humanos, como também das condições a que estão expostos e não, consequência de distúrbios neurológicos. A outra, se os exames de neuroimagem não detectariam a consequência no cérebro de não saber ler, e não, a sua causa.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

De casinha pode, de espada não?

Um menino de 4 anos presenciou há pouco tempo um assalto à mão armada, na casa de seus avós. A avó conta que, alguns dias depois, ele pegou um guarda-chuva e começou a brincar de atirar, como se fosse uma metralhadora e que o pai, preocupado, tentou desviar sua atenção para outras coisas. Da mesma forma que a criança brinca de casinha ou de escolinha para experimentar diferentes papéis e assim, entender melhor como é que as coisas se dão, precisa também das brincadeiras de polícia e ladrão ou de guerra para assimilar experiências traumáticas e violentas. Não há necessidade, portanto, de que os pais, em nome da paz, proíbam este tipo de brincadeira. Uma espada de brinquedo, certamente, não fará com que a criança se torne violenta, até porque, ela consegue muito bem separar realidade e fantasia. É claro que, depois de uma situação traumática como a que viveu este menino, não precisamos dar aos filhos um revólver de brinquedo na esperança de que elaborem o trauma. Eles sabem como transformar objetos em brinquedos que atendam suas necessidades. O fazer de conta que um guarda-chuva é uma metralhadora é um sinal importante de que a criança, por meio da fantasia, está tentando dar conta da realidade. Só o que podemos fazer, é ficar por perto e atentos aos limites que eles próprios acabam nos pedindo.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Problemas no desempenho x distúrbios de aprendizagem

Na maior parte da vida escolar de uma criança, é o seu desempenho em provas, trabalhos ou tarefas que é avaliado e não, a sua capacidade para aprender. Para ter bons resultados em atividades assim, é preciso que o aluno tenha, anteriormente, apreendido determinados conteúdos. Se o desempenho nestas avaliações não é o esperado, atribui-se a ele o baixo rendimento. Desconsidera-se uma série de fatores externos que interferem na aprendizagem como, por exemplo, aspectos da própria instituição de ensino: currículos, programas, formas de avaliação, métodos de ensino, atitudes dos professores, condutas disciplinares. Muitas crianças acabam sendo encaminhadas aos serviços especializados em distúrbios de aprendizagem com queixas como desatenção, hiperatividade, desinteresse e indisciplina. Interessante que comportamentos e atitudes como estes podem ser demonstrações de insatisfação com a maneira como, ainda hoje, muitas escolas tentam impor conteúdos a serem assimilados e o que é pior, associar disciplina à passividade. Questionadas com relação a sua capacidade de aprendizado, estas crianças acabam acreditando na existência de distúrbios que as impedem de aprender. Muitas vezes, durante atendimento feito por profissionais especializados, são surpreendidas com resultados acima da média em avaliações que não exigem nenhum conhecimento prévio. Surpreendidos também são aqueles que fizeram o encaminhamento, acreditando que o problema era mesmo do aluno. Não é que os problemas orgânicos não existam, mas em muitos casos, os comportamentos considerados inadequados precisam ser melhor contextualizados, para que as crianças não carreguem sozinhas toda a responsabilidade pelo fracasso escolar.

domingo, 18 de outubro de 2009

Pensamento mágico

Estávamos eu e o Gabriel na janela, olhando o temporal que se armava. Ventava muito e as nuvens se movimentavam rapidamente. Ele disse:

- Mamãe, olha! O céu tá indo lá no parquinho!!!!!

lindo...lindo...lindo

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Dia 15 de outubro

No final de 2000, deixamos São Paulo para viver no interior. O Pedro, nosso filho mais velho, tinha acabado de fazer 4 anos. No seu último dia de aula na capital, recebi da professora de artes, que também era uma das donas da escola Miguilim, um dos conselhos mais valiosos da minha vida: que eu escolhesse muito bem a nova escola porque, caso contrário, ele teria problemas. O Pedro era daquelas crianças que a gente pode chamar de coloridas. Era impossível ser indiferente à presença dele. Estava sempre adiante, lá na frente. Agitado, apressado, mandão com os amigos, tinha que ganhar sempre. Terminava tudo antes dos outros. De comer, de brincar, de fazer as tarefas. Era sempre o primeiro a chegar, o primeiro a falar, o primeiro a responder. Persistente, não desistia jamais. E, por sorte, era carismático. Dava um trabalho a mais aos professores que tinham sempre que encontrar estratégias pra não deixá-lo entediado. Um pouco por minha experiência, mas acho que muito mais por sorte, fizemos a escolha certa. A escola Nosso Cantinho era pequena e ficava numa chácara na mesma rua da nossa casa nova. Lá, ele teve três professoras mais do que especiais: a Gê, a Bel e a Tati. Três exemplos de delicadeza, competência e, acima de tudo, sensibilidade. Sensibilidade pra ver qualidades, onde muitos vêem problemas. Pedro continua colorido e muito feliz. E, com certeza, elas são em grande parte responsáveis. Eu não tenho a menor dúvida disso!
Gê, Isabel e Tati, parabéns a vocês pelo dia de hoje. E obrigada. Vocês moram pra sempre nos nossos corações.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

12 de Outubro

Do livro "Nos labirintos da Moral", de Mario Sergio Cortella e Yves de La Taille.

“É interessante também que o filme (E.T.) trata fortemente de um grande valor, que é a amizade, quase que retomando a virtude da amizade entre os gregos do mundo clássico. Tanto é assim que a cena mais emocionante do filme (que é aquilo que cada um de nós busca sempre) é o encontro dos dedos – que se acendem...Quando o menino e o E.T. encostam seus dedos, surge uma luz, um brilho, que ilumina o coração. E, nesse instante, eles concordam. Em latim, “concordar” é colocar o coração junto; Cum cor é quando você concorda. E o que se vê hoje com freqüência, em uma sociedade como a nossa, é a discordância – são corações que se afastam, e não corações que se aproximam.”

Que a gente aprenda sempre com as crianças como é que se faz pra "colocar o coração junto"...

sábado, 10 de outubro de 2009

Inclusão

O superdotado é alguém que tem uma capacidade bem acima da média em uma área (ou em mais de uma) e, se tem oportunidades, permanece boa parte do tempo envolvido com atividades voltadas à área de interesse. O diagnóstico deve ser feito com cuidado, já que muitas crianças são estimuladas exageradamente e acabam tendo comportamentos que se confundem com a superdotação. As habilidades das crianças superdotadas se mantém ao longo do tempo, o que pode não acontecer com aquelas estimuladas precocemente. Há também diferenças de critério para diagnóstico: QI; aprendizagem espontânea da leitura; alta habilidade em áreas específicas: capacidade intelectual, desempenho escolar, artes, habilidades esportivas e até mesmo capacidade de liderança. Na minha opinião, muitos diagnósticos são feitos precoce e equivocadamente. O olhar do educador precisa ser treinado para considerar em cada criança, suas peculiaridades e necessidades, sem que haja necessariamente um diagnóstico. Toda criança, em algum momento da vida, precisa de um olhar mais atento. Por isso, eu prefiro pensar mais em peculiaridades e, muitas vezes, em circunstâncias, e menos em diagnósticos. No caso da superdotação, acho que cada caso deve ser avaliado individualmente. Uma adequação e uma flexibilização do currículo podem ser suficiente para algumas crianças. Outras, podem precisar de uma intervenção mais especializada, mais pontual. Acho que no Brasil, não se faz inclusão de superdotados, da mesma forma que se faz, ou se pretende fazer, com as deficiências. Talvez porque estas tenham mais apelo emocional. É como se o superdotado fosse um privilegiado, sem a necessidade de uma maior atenção. Mas de qualquer maneira, acho que, na nossa sociedade, uma reflexão sobre a maneira de se fazer diagnóstico é mais urgente do que discutir a inclusão.Vejo casos em que, ao menor sinal de que uma criança apresenta desvios da norma, já se pensa em enquadrá-la em uma patologia qualquer. O que precisamos é aceitar melhor as diferenças, para que a inclusão fique reservada apenas aos casos muito particulares. O nosso olhar é que precisa ser mais inclusivo.

PS. Essa reflexão foi provocada pela Alynie, uma estudante do último ano de Pedagogia, que me pediu pra responder algumas questões para seu trabalho de conclusão de curso, sobre a inclusão de superdotados.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Ensinar menos pra educar mais

Em uma das sessões de avaliação, uma criança de primeira série (a escola pública desta cidade ainda não adotou a nova nomenclatura), chega ao consultório e pede para fazermos tabuada porque está "com muita vontade de fazer tabuada". Eu digo que sim e pergunto:

- O que é tabuada?
- É assim, você faz um risco assim (vertical), e vai fazendo riscos assim (horizontais), coloca uns números aqui, aqui você coloca outros números e vai fazendo umas continhas de vezes. Posso fazer na lousa pra você?
- Pode. Mas me diz uma coisa, você sabe o que é "vezes"?
- Sei, é um xizinho.
- Então olha só. Você está vendo esta caixinha (mostrei a ela uma caixa com 4 divisões)? Eu vou colocar 3 fichas em cada uma dessas divisões. Você sabe me dizer quantas fichas vão ficar aí dentro da caixa?
- Sei.
Pensou um pouco e disse:
- Sete.

Esse diálogo ilustra bem a forma como as crianças estão aprendendo matemática nas escolas. Eu pergunto: pra que saber que 4x3=12 (tabuada), se não entendem que 4x3 significa quatro vezes o número 3 ou; quatro vezes a quantidade 3 ou; que o número 3 aparece quatro vezes ou; que é diferente falar 4x3 e 3x4, embora tenham resultados iguais. Pra que saber que 4x3=12, se não conseguem ainda saber quando é que precisam de uma conta de multiplicação para resolver um problema? Se essa criança joga varetas, por exemplo, e tem que, ao final de cada partida, contar seus pontos, pode aprender adição e multiplicação de forma muito mais significativa e natural. Ou melhor, pode pensar nessas operações antes mesmo de saber que se chamam adição e multiplicação. Se ela consegue pegar 5 varetas verdes e cada uma vale 2, precisa pensar em quantas vezes elas aparecem para saber a quantos pontos correspondem. Pode perceber com mais facilidade que pensar em 5x2 (cinco vezes o ponto 2) faz mais sentido do que em 2x5. Isso sim significa operar sobre quantidades e pensar numericamente.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Filhos

Estávamos eu e o Gabriel (2 anos e 5 meses) no carro, esperando a vovó que tinha entrado no mercadinho do bairro. Ele, solto no banco de trás com os vidros abertos, puxava assunto com todas as pessoas que passavam. Eu, toda orgulhosa no banco da frente, admirava suas gracinhas. De repente, para um carro ao nosso lado, o motorista desce e, enquanto tranca a porta, olha sorrindo para o Gabriel na janelinha que retribui assim: "Oi, cara de bunda!". Bom, eu respirei fundo e tentei não dar valor nenhum ao que ele disse, como se fosse a coisa mais natural do mundo (e pra ele era mesmo). Por alguns instantes, eu até consegui, mas a vontade de rir era tanta, que claro, ele percebeu. Voltou pra janela e continuou: "Oi, cara de bunda!" "Oi, cara de bunda!". Pra todos que iam passando. Eu tentava atraí-lo de todas as maneiras possíveis. "Olha Gabriel que legal isso!"; "Gabriel, vamos colocar a música da barata?"; "Cadê a vovó? Será que ela já tá vindo?". Mas nada era mais interessante do que falar, "Oi, cara de bunda!". A vovó chegou e foi a salvação. Fomos embora e no caminho, a brincadeira continuava. Não só no caminho, como no resto do dia. Aquilo estava realmente muito divertido pra ele. Pra nós também, mas não era muito conveniente que ele soubesse disso. Mesmo sabendo.

À noite eu fui contar pro papai:
"Você não sabe o que o Gabriel aprontou comigo hoje."
"Já sei. Cara de bunda."
"Como você sabe?"
"Você não sabe o que ele fez foi comigo"

E contou:
Estavam ele e o Gabriel na represa comendo amora, quando passou uma moça caminhando. Claro, ele fez uma pausa na história pra dizer que a moça na verdade era mais velha, meio feinha (eles sempre dizem que elas são meio feinhas). Sem parar de caminhar, ela olhou pra eles e disse, "Que jóia!", no sentido de coisa rica. Não sei se jóia, a criança, ou jóia, a cena de pai e filho juntos, que de fato, é linda. O Gabriel, sem nenhuma dúvida, olhou pra ela e disse, "Oi, cara de bunda!". Bom, por sorte, a mulher não tinha parado de caminhar e o que fez, foi olhar pra cara de...paisagem do papai, dar um sorrisinho constrangido e continuar andando. O Gabriel continuou comendo suas amoras como antes. No caminho de volta, era "oi, cara de bunda" pra lá, "oi, cara de bunda" pra cá e o papai então resolveu trocar uma idéia com ele, tentando explicar o que podia ser cara de bunda: uma bunda na cara, uma cara com uma bunda. Era tudo que ele precisava pra achar aquilo tudo ainda mais engraçado.

Depois fui contar para o nosso filho mais velho (13 anos) e orientá-lo a não dar muita bola quando fizesse isso na frente dele. É claro que achou o máximo e é bem provável que dê um jeitinho de ver o irmão fazendo isso na rua.
E assim, vamos apresentando a vida em sociedade aos nossos filhos. Uma pena que para entrar nela, tenham que deixar tanta espontaneidade e pureza pra traz. Aos poucos, vão entendendo que pode ser ofensa o que, pra eles, era apenas uma brincadeira inocente. É o mundo "civilizado".

Mães

Eu conheço uma que hoje deve estar com o coração apertado.
Janusz Korczak, pediatra e educador polonês, em um de seus livros, diz assim a elas:

"É durante as noites sem sono que nasce o seu melhor e espantoso aliado, o anjo da guarda de seu filho: a intuição do coração materno"

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Vovó eletrônica

Este é o nome do aparelho que promete identificar o porquê do choro do nenê. A propaganda diz assim: basta ligá-lo a uma distância entre 50 centímetros e 2 metros do bebê, de acordo com o seu peso. Pronto. A "vovó" fará toda a análise em apenas 20 segundos. Análise feita, acende um rostinho que corresponde ao motivo do choro. É demais né? Até parece que uma mãe precisa de um aliado eletrônico. Não. Decididamente não precisa. Como também não precisa de guias e manuais para aprender a cuidar dos seus bebês. Basicamente, ela precisa confiar na natureza humana e ter, ao seu lado, pessoas que lhe dêem todo a apoio possível para que ela dê conta de tamanha devoção. Tudo que um bebê precisa, nos primeiros meses de vida, é de alguém que entenda e atenda suas necessidades mais básicas. Para Winnicott, psicanalista inglês que estudou com profundidade a vida inicial do bebê, a mãe é a pessoa mais indicada pra isso. Ele diz que, ao longo da gestação, especialmente, nas últimas semanas, ela começa a desenvolver um estado de sensibilidade aumentada que vai lhe permitir adaptar-se e se colocar no lugar do seu bebê para melhor reconhecer suas necessidades. Por algum tempo, ela se distancia de outros interesses e mantém-se orientada para o filho. É claro, que outras pessoas também podem desenvolver essa sensibilidade. Uma mãe adotiva, por exemplo. A diferença é que com a mãe biológica, isso pode se dar mais naturalmente ao longo da gestação. E ela consegue, melhor do que ninguém, "sobreviver" a esta fase. Isso tudo parece mais do que óbvio, mas com todas as mudanças que ocorreram nas últimas décadas na estrutura familiar, muitas mães acabaram ficando menos confiantes. É como se elas não tivessem mais, como tinham no passado, o direito de conhecer o seu bebê mais do que qualquer um, incluindo aqui até mesmo o pai.

Os famosos bilhetinhos

Os professores enchem as agendas dos alunos com bilhetes? Esta é mais uma das perguntas que raramente os pais se lembram de fazer na hora de escolher uma escola para os filhos. Parece uma bobagem, mas atitudes assim causam um grande mal estar para todos, e há razões para isso. Quando um aluno se comporta de forma inadequada em sala de aula, por exemplo, é o professor que deve tomar as medidas cabíveis e, no momento em que tal comportamento ocorre. Quando manda um bilhete para relatar aos pais o que houve e pedir a eles que conversem com o filho, está prejudicando a relação com a família e deixando de cumprir um papel que, naquelas circunstâncias, só cabe a ele. Embora escola e família tenham a educação de crianças e adolescentes como grande objetivo, seus papéis são bem diferentes. A missão dos pais é oferecer aos filhos as condições favoráveis para que aprendam a viver. E fazem isso num espaço que é privado e que tem regras muito particulares e diferentes das de outras casas. Na escola, as normas e regras são outras ainda e comuns a todos os alunos, já que se trata de um espaço que é público. Desta forma, uma boa parceria entre escola e família só é possível se os papéis que cabem a cada uma, estiverem bem claros e assumidos. Os pais precisam apoiar as medidas educativas que, porventura, professores ou coordenadores venham a tomar. A escola, por sua vez, não pode lavar as mãos, deixando aos pais toda a responsabilidade pelo comportamento que seus filhos apresentam dentro do espaço escolar. É claro que, em muitas situações, o foco do problema está sim na vida familiar. Mas também nestes casos, não é por meio de bilhetinhos que a escola vai construir, com sucesso, uma parceria com a família. Mas sim, por meio de uma boa conversa, incluindo, quando possível, o próprio aluno. A vida escolar dos filhos deve ser acompanhada pelos pais com cuidado e interesse, mas até um limite. As crianças precisam conquistar autonomia e isso só será possível, se precisarem assumir a própria vida. E assumir a própria vida inclui ter que dar conta das consequências de seus atos, sem a presença intensiva da família. Se, por um lado, a escola insiste em responsabilizar os pais por tudo e estes, por outro, insistem em interferir em tudo, o tempo todo, nenhum deles está trabalhando em favor das crianças.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Respondendo ao Tito do expatriated http://expatriatedinlondon.blogspot.com/

(Como eu faço para o link ficar azulzinho?)


Na hora de escolher uma escola para os filhos, é preciso sair em busca de uma série de informações. E é bom que seja assim porque depois de feita a escolha, é preciso confiar. Como a escola faz a adaptação de crianças pequenas e como as recebe no horário da chegada são questões que muitas vezes não são levadas em conta na hora da escolha. E, na minha opinião, são bem importantes e dizem muito a respeito da Instituição. Há escolas que aceitam e até querem a presença dos pais, na hora da entrada por exemplo. São as escolas mais abertas e que acreditam que este contato diário entre família e professores, mesmo que por poucos instantes, é importante e ajuda a dar segurança para as crianças (este é o modelo que eu escolho para os meus filhos). Há outras que preferem evitar porque acham que esse livre acesso prejudica a ordem e a rotina. De fato, é mais difícil quando as portas estão abertas. Afinal, há todos os tipos de pais e mães. Por isso, é preciso que se tenha essa informação na hora de matricular os filhos. Ao escolher um dos modelos, não dá depois pra exigir ou mesmo esperar mudanças. No caso da Valentina, houve uma mudança de regra, de um dia para outro. Neste caso, eu acho sim que os pais têm o direito de se queixar. É claro que uma escola pode e deve rever regras ao longo do tempo. Mas não de forma tão drástica assim. Teria sido bacana se os pais fossem informados com antecedência, fossem escutados, fossem até consultados. Isso possibilitaria pelo menos que se combinasse uma estratégia para a mudança. Por exemplo, que a nova regra não precisasse entrar em ação tão imediatamente. Poderiam, num primeiro momento, levar apenas as crianças que não resistissem. As outras, como a Valentina, teriam mais tempo para se acostumar com o novo jeito. Como para todas as coisas, bom senso e flexibilidade são fundamentais. Acho que vale a pena um papinho na escola. Espero ter ajudado um pouquinho.

domingo, 20 de setembro de 2009

Pressa pra que?

Uma colega me contou que recebeu em seu consultório, uma mãe muito preocupada porque na reunião de pais da escola, disseram a ela que o filho ainda não reconhecia as letras do alfabeto. A idade da criança? Três anos. Que bom que ele ainda não reconhece as letras do alfabeto! O mais triste de tudo isso é que, um absurdo desses parte justamente da Instituição que tem por dever conhecer com profundidade o desenvolvimento infantil . Em parte, faz isso porque os pais querem realmente que seus filhos aprendam coisas mais cedo. Afinal, precisarão passar nos vestibulinhos para ter vaga nas “melhores” escolas que selecionam as “melhores” crianças (melhores em quê?). Eu jamais escolheria para meus filhos uma escola que faz esse tipo de seleção. Jamais. As escolas então, para atender as expectativas dos pais e com isso, garantir o máximo possível de matrículas, apressam a aprendizagem de seus alunos. O resultado? Milhões de diagnósticos precipitados de transtornos, como por exemplo o de déficit de atenção e hiperatividade (o tal do TDAH) e muitos de dislexia. Isso é triste e grave. Em muitos casos, os sintomas que levam a estes diagnósticos são, na verdade, sinais de que estas crianças são saudáveis e se recusam, por meio de comportamentos assim, a responder a toda esta pressão. O problema é que a sociedade, por falta de informações (informações que deveriam ser dadas especialmente pelas escolas), não está pronta para entender dessa forma. Não compreendidas, as crianças passam a desenvolver as dificuldades que interferem na aprendizagem e nas relações sociais. Uma criança facilmente se transforma naquilo que vemos nela. Até os sete anos, as crianças precisam brincar. Só brincar. Estas é que serão as melhores. Porque terão sido as mais felizes.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Por que da direita para a esquerda?

É comum que alunos de segunda e terceira séries (agora terceiro e quarto anos) consigam resolver contas de adição de números de dois algarismos, armados como se ensina na maior parte das escolas, um sobre o outro, com um traço para que o resultado seja colocado abaixo (a isto se dá o nome de algoritmo - no Aurélio, 1. Mat. Processo de cálculo, ou de resolução de um grupo de problemas semelhantes, em que se estipulam, com generalidade e sem restrições, regras formais para a obtenção do resultado, ou da solução do problema). As crianças devem somar as unidades e em seguida, os números da esquerda que correspondem às dezenas. Só que ao somarem estes, é comum tratá-los como se fossem unidades também. Se mostrarmos a elas um número qualquer com dois algarismos (23 por exemplo) e pedirmos que peguem palitos correspondentes a esta quantidade, farão isso com facilidade. Em seguida, se circularmos apenas o número 3, pedindo que peguem a quantidade de palitos correspondentes, também não terão dificuldade nenhuma. No entanto, ao circularmos o número dois, pedindo a mesma coisa, muitas pegarão apenas 2 palitos e não 20. Dezoito, portanto, continuarão sobre a mesa. Isto é a prova de que ainda pensam em dezenas como se fossem unidades. Se as crianças puderem, por meio de jogos, por exemplo, encontrar suas próprias estratégias de soma sem preocupação com os tais algoritmos , provavelmente, pensarão primeiro nas dezenas (como dezenas) e só depois nas unidades. Ou seja, somam mentalmente, da esquerda para a direita. As escolas, muitas vezes, vão contra a natureza das crianças e impõem, precipitadamente, maneiras de pensar que só dificultam a aprendizagem. Isto tudo só pra falar que nem sempre é justo dizer que uma criança tem dificuldade de aprendizagem. A questão precisa sempre ser vista de maneira muito mais abrangente. Além dos conhecidos e tão falados problemas de aprendizagem, há também os não tão conhecidos problemas de ensino.

sábado, 12 de setembro de 2009

Escola Pública para filhos de políticos?

Há um projeto de lei em tramitação no Senado, de autoria do senador Cristovam Buarque que determina que os filhos de políticos eleitos em todas as esferas sejam matriculados, até 2014, em escolas públicas de educação básica. O principal objetivo é fazer com que os governantes tenham mais urgência em investir na educação pública. Além disso, as autoridades deixariam de se beneficiar das deduções no Imposto de Renda para financiar os custos da educação privada dos filhos, o que significaria uma economia anual de R$150 milhões. Um projeto assim, na minha opinião, e mais que isto, a aprovação de 85,1% dos leitores do Correio Braziliense, em enquete feita pelo site, são a prova de que, no nosso país, a lógica ainda é a da recompensa e da punição. É preciso punir filhos de políticos para forçá-los a se comprometerem com a educação pública. Eu não acredito em mudanças consistentes e duradouras, por meio de pressões desse tipo. Não são os filhos de políticos que precisam mudar de escola. Mas a política.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

O valor da educação moral

Quando falamos em autonomia, logo pensamos em liberdade ou independência. Mas o que significa autonomia quando se fala em moral? Para o psicólogo Jean Piaget, uma pessoa moralmente autônoma é aquela governada por aquilo que acredita e não pelas punições ou recompensas consequentes de suas ações. Uma criança não tem ainda as condições necessárias para se governar, mas vai aos poucos conquistando autonomia, se pode contar com um ambiente favorável. E o que é um ambiente favorável para o desenvolvimento moral? Quando uma criança mente, por exemplo, o adulto pode reagir de duas formas. Ou aplica uma punição, que muitas vezes não tem relação direta com a falta cometida, ou possibilita a troca de pontos de vista à respeito das consequências da mentira, como por exemplo, a perda da confiança daqueles que estão à sua volta. Neste caso, o adulto está ajudando a criança a construir o valor da honestidade. Ao estabelecer com ela uma relação afetiva que lhe permite pensar sobre as suas ações e se colocar no lugar do outro, o adulto está contribuindo para que ela aprenda uma lição muito simples, mas que contém todas as outras: "Não devemos fazer aos outros o que não gostaríamos que nos fizessem". Assim como as punições, as recompensas dadas às crianças que se comportam "bem", também são prejudiciais ao desenvolvimento da autonomia moral. O importante é que a criança faça certas coisas e deixe de fazer outras, única e exclusivamente, por considerá-las corretas ou não, e não para fugir de punições ou em busca de recompensas. Infelizmente, muitos adultos não chegam a desenvolver, de forma consistente, a autonomia moral e isto pode explicar o tanto de corrupção, desonestidade, traição e mentira que a mídia divulga diariamente. Provavelmente as pessoas que cometem tais transgressões não conseguiram construir, verdadeiramente, os valores morais indispensáveis para uma sociedade mais justa e cooperativa. E é por isso que devemos nos preocupar tanto com a educação moral de nossos filhos, se queremos um futuro melhor para o nosso país.