sábado, 12 de fevereiro de 2011

A separação dos pais vivida pelos filhos

O texto abaixo foi escrito por uma adolescente, há mais ou menos um ano, quando seus pais decidiram se separar. Ao ler, fiquei muito comovida e impressionada com a qualidade literária. Pedi a ela que me autorizasse publicá-lo aqui, por acreditar que suas palavras tão carregadas de sentimentos pudesse nos ajudar a conhecer a vivência dolorosa e amendrontada dos filhos, quando há uma possibilidade de separação. E o mais bonito: não há no texto, nenhum tipo de julgamento aos pais. O que nos faz acreditar que o outro ponto de vista (o deles) tenha sido respeitado por ela, ou, ao menos, considerado, na hora de expressar sua experiência.
Obrigada por tornar um pouco nossa, a sua aprendizagem.

"‎18 anos de história, de felicidade, de vida, de casamento. E tudo acaba aqui, nessa noite abafada e desorientada .Estávamos atrás da porta, tentando ouvir o menor ruído que saísse daquela pequena fresta . Minha ansiedade finalmente falou mais alto, e resolvi fazer uma atuação barata alegando que estava cansada e com fome. Conseguia... sentir a frieza no ar, sentia o fim. Estava cansada, nervosa e com uma pequena pontada de medo. O medo só era pequeno porque eu tinha a ilusão de um final feliz. O ópio da ingenuidade, da ignorância, da futilidade. O medo.... O medo de ver a realidade. Atirei a primeira pedra.
“Fala logo se vocês vão se separar ou não, porque eu quero dormir”
As palavras saiam de minha boca sem ter noção das conseqüências. Como um suicídio precipitado. Palavras em vão, sem pensamento, sem sentimento. Já sabia o que ouviria a seguir,só tinha medo que eles repetissem para mim. Tinha medo de ouvir esse triste fim em voz alta.
“sim!sim!sim! Se você quer saber se a gente vai se separar, sim!” minha mãe disse aos berros deixando cair pequenas gotas de sua cerveja no chão.
Perdi todos os meus sentidos, quase que por um extinto animal estava no chão chorando toda a água existente no mesmo. Eu gritava, me arranhava, mas parecia que nada disso absorvia aquela dor. Essa dor completamente diferente de todas as dores que já senti. Algo novo, algo forte, algo que destrói. Todas as dores que naquele corpo já havia sentido, eram como cortes de papeis. Minha dor era um tiro no peito, só que não existia médico que a tratasse. Um tiro que não iria se cicatrizar.
Acordei com esses olhos inchados que não eram meus, um olhar apagado que não era o meu. Eu era alguém, que não era eu. A podridão interior conseguiu dominar a exterior. A alegria que antes reinava, agora não reina mais. Os risos que se abrochavam, agora murcham. E os rios de lágrimas, que antes eram secos, agora inundam. Quem é você? Quem é esse ser que sou eu, e não sou? O que serás que serás?
E aquela viola, que antes me entendiava, agora me salvava. E ao ouvir os primeiros acordes, o meu corpo foi simultaneamente se entregando a essa força. Tocava com uma precisão que nunca houve antes. E no meio de toda aquela escuridão, uma chama calorosa foi acesa. Nesse momento eu me senti como se o médico sempre ali parado, fizesse algo. Por mas que não saturado, meu corpo lentamente se restabelecia. E o remédio ali aplicado, tinha nome e sobrenome. Não pronunciava, mas aqueles olhos azuis que me olhavam de forma penetrante lentamente me curavam. Logo, os olhos foram se tornando um rosto, que se tornou um busto, que se tornou um corpo. Um corpo que de forma assustada me encarava indevidamente preocupada. Reconheci-o de imediato, aquela era ela, era aquela que me cura. Marina freire, esse é o seu nome. Esse é o meu remédio."

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

"Temos desterrado a alegria
A terra de onde ela nasce foi asfaltada
O cimento que a asfixia está composto de tédio, abulia, aborrecimento, desesperança.
Não é a tristeza a responsável por amordaçar a alegria.
Tampouco a angústia. Ao contrario, sentir angústia é a prova de que por debaixo do cimento ainda resta terra fértil.
Terra úmida, húmus humano por onde possa brotar a autoria que irá rachando o cimento.
Pelo pavimento do tédio se deslizam facilmente a frustração, a anorexia, a bulimia, a inibição cognitiva, a "síndrome do pânico” e as drogas (as ilegais e também as receitadas).
E os meninos, brincando à intempérie da asfaltada frustração dos maiores, talvez busquem com `inquietude´, `hiperatividade´ e ` desatenção´ algo de terra debaixo do alcatrão. ­
O conhecer, escutar, perguntar, abrir os olhos, falar. Podem fazer sofrer, mas não matar aalegria já que a alegria é o reconhecermos com a possibilidade de mudar e mudar-nos.
Esconder, fechar os olhos, tapar os ouvidos, calar, encapsular, medicamentar... translada, desloca a dor e adoece.
O contrário da alegria não e a tristeza, mas o aborrecimento, o omitir-se, o desaparecer.
A Alegria não é algo "light" que nos infantiliza, senão a força que permite a potencia criativa, incisiva e indiscreta da criança que extraviamos na busca pelo êxito adulto."


Fragmentos sobre la alegría y el aprendizaje
Alicia Fernández
“Psicopedagogia em psicodrama"
Editora Vozes, 2000.