sábado, 10 de abril de 2010

Inclusão escolar

Vamos imaginar duas situações:

Primeira: Os pais de uma criança com necessidades especiais chegam a uma escola com a expectativa de matriculá-la e a diretora, cuidadosamente e um tanto constrangida, diz a eles que não está preparada para a inclusão e indica uma outra escola capaz de fazê-la, e muito bem.

Segunda: Os pais de uma criança com necessidades especiais chegam a uma escola com a expectativa de matriculá-la e, sem nenhuma dificuldade, são atendidos. Afinal, toda escola tem por obrigação matricular todas as crianças, incluindo as portadoras de deficiências. Passado algum tempo, tanto escola, quanto pais, constatam a falta de condições adequadas para atendê-la.

Eu pergunto:

Qual das duas escolas atende melhor as reais necessidades da criança?
Eu responderia que a primeira.
Mas certamente, a primeira seria alvo de muitos ataques.
O ideal, sem dúvida, é que já estivéssemos em uma sociedade capaz de oferecer a todos as mesmas oportunidades. Isso sim, na minha opinião, é a verdadeira inclusão.
A realidade, no entanto, é que estamos ainda bem longe disso. E muitas escolas acabam fazendo a inclusão sem condições materiais e humanas para issso. Nesta, eu não acredito.
Imaginem agora que aquela criança que foi, facilmente, matriculada na escola que não poderia jamais negar vaga a ela, com receio de ser vista como discriminatória, seja um menino de 7 anos, com Síndrome de Down. Foi para uma sala com outras crianças da mesma idade. Primeira série (hoje segundo ano). Todos, alguns com mais dificuldades, aprendendo a ler e escrever. Ele, ainda na fase da garatuja (quando a criança pega um lápis e risca desordenadamente). Na obra do psicólogo russo Lev Vygotsky, há um conceito bastante interessante e um dos mais importantes de sua teoria, que ele chamou de Zona de Desenvolvimento Proximal. Seria o campo intermediário entre o desenvolvimento real (já consolidado pelo indivíduo) e o desenvolvimento potencial (ainda em processo). Por exemplo, uma criança de 4 anos já consegue colocar um cubo sobre outro para fazer uma torre (real). Uma de 3, está perto de conseguir, mas ainda precisa de alguma assistência (potencial). E um bebê de 8 meses não consegue nem mesmo com ajuda. Esperar de uma criança de 8 meses que faça uma torre de cubos é trabalhar fora da Zona de Desenvolvimento Proximal, já que ele ainda não tem as habilidades necessárias para uma tarefa como essa. E é justamente neste espaço que um professor deve trabalhar. Colocar uma criança que ainda não passou da garatuja, em uma sala de aula com outras crianças que estão começando a ler e escrever, é deixá-la totalmente fora desta Zona. Ela foi incluída na escola, mas não foi na sala de aula.
As escolas estarão preparadas para fazer a verdadeira inclusão quando fizerem por convicção, em respeito às suas próprias concepções e não, com receio de serem punidas ou julgadas. Por outro lado, é fazendo inclusão que estarão construindo novas concepções, mas não de forma tão impositiva. Uma mudança assim acontece gradualmente e não por meio da imposição de uma lei. Não são cursos rápidos com professores que vão prepará-los para receber crianças com necessidades especiais. Num mundo cada vez mais especializado, não se pode esperar dos professores que tenham, de uma hora para outra, conhecimento para trabalhar com crianças portadoras de deficiências.

Por ter muitas dúvidas a respeito da inclusão e por acreditar que elas são essenciais para a formação de qualquer convicção, eu deixo algumas questões para reflexão:

- O que será que a criança portadora de deficiência nos diria ou escolheria?
- Será que não existe um ponto de equilíbrio entre estas posições? A que exclui o deficiente e o coloca em espaços apenas reservados a ele e a que, ao contrário, o coloca ao lado das crianças normais (normais no sentido de maioria é claro), durante todo o tempo?
- Se fisioterapeutas, psicólogos e fonoaudiólogos precisam de especialização para atuar adequadamente, por que dos professores espera-se um conhecimento tão abrangente, de uma hora para a outra?
- A atitude da escola que indica uma outra com experiência em inclusão não está sendo humilde e realista, ao invés de insensível e preconceituosa?
- Por outro lado, será que ela está ao menos pensando nas diferenças e em como aprender a trabalhar com elas?
- Qual é o público-alvo da Educação Especial que passaria a ser, obrigatoriamente, matriculado nas escolas comuns de ensino regular?
- O que aconteceria com as escolas que se especializaram na Educação Especial?
- As crianças normais também precisam desta convivência para construir valores sólidos como solidariedade, tolerância, compaixão, cooperação e acima de tudo, respeito. Por que então, não se defende a inclusão como necessária também para elas?

domingo, 4 de abril de 2010

O jogo na escola

Há muitas comprovações de que jogando, as crianças raciocinam muito mais do que sentadas numa carteira escutando um professor que tenta, incansavelmente, transmitir a elas a maneira certa de resolver um problema matemático. Um jogo de regras consiste basicamente em uma situação-problema que deve ser solucionada pela criança para que atinja o objetivo principal que é ganhar o jogo. Para isso, precisa criar procedimentos, organizá-los em forma de estratégias e avaliá-los depois, em função dos resultados. Segundo a concepção piagetiana, uma pessoa só constrói conhecimento a partir da interação com o meio e o jogo de regras, com todas as suas características, é capaz de possibilitar essa troca, desafiando o raciocínio de quem joga. Na realidade, não o jogo em si, mas a forma como é trabalhado. Além disso, oferece a quem observa, pistas significativas de como a criança pensa, favorecendo uma intervenção mais adequada e, portanto, mais eficaz.
Quando os meios empregados para vencer o jogo não são eficazes, a criança tem a oportunidade de, avaliando seus erros, construir novas estratégias. Para fazer isso, ela precisa estabelecer relações lógicas fundamentais para a construção das noções matemáticas. As mesmas que muitas escolas insistem em transmitir prontas aos alunos, tirando deles qualquer possibilidade de construí-las. Precisa ainda, coordenar diferentes pontos de vista (que só a interação social permite), o que é fundamental para as descentrações tão necessárias à construção do pensamento operatório. A atividade com jogos contribui também para a concentração, a atenção, a cooperação, a disciplina, a organizaçõa. Aspectos que são importantes também para o bom desempenho nas tarefas escolares.

Com tantas qualidades, por que os jogos ainda são tão pouco utilizados como recurso pedagógico em sala de aula, mesmo naquelas das escolas ditas construtivistas?

Talvez, por várias razões:
1. Espera-se que uma grande transformação venha do alto e revolucione o ensino. Quando na verdade, a atitude de um professor, resultado da concepção que ele tem de infância, é o que pode haver de mais revolucionário na educação.
2. A maior parte dos professores não têm uma atitude autenticamente construtivista que lhes faça acreditar que há vários caminhos para se chegar a um mesmo resultado. E que cabe a cada um dos alunos buscar o seu. Isso é construção de conhecimento. A maioria ainda trata a matemática como conhecimento social a ser transmitido.
3. Ao entrar no ensino fundamental, é como se a criança perdesse a permissão que tinha até então para brincar. Precisa agora, levar a sério os estudos. Como se jogar não fosse coisa séria pra uma criança.
4. Muitos pais não aceitariam que seus filhos fossem à escola para jogar com os colegas. E com tanta concorrência, as escolas não querem perdê-los e tentam, sem sucesso, agradar a todos. O resultado é a enorme movimentação de alunos de uma escola para outra, a cada ano. Ou melhor, de pais em busca de alguma coisa, que na verdade, nem sabem ao certo o que é.
5. E a avaliação? Aquela para a qual praticamente toda a vida escolar está voltada. Como avaliar uma criança que passou grande parte do tempo jogando? Será que ela aprendeu alguma coisa? Como medir sem o auxílio dos exercícios burocráticos?

Conhecer desenvolvimento infantil e, mais especificamente, como o ser humano adquire conhecimento é tão importante como conhecer a matéria que se pretende ensinar. Porque não é suficiente que uma pessoa tenha condições para conhecer e aprender, é preciso que ela queira, que seja mobilizada para atingir um objetivo. E só será, se for respeitada e compreendida na sua natureza.