quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Problemas no desempenho x distúrbios de aprendizagem

Na maior parte da vida escolar de uma criança, é o seu desempenho em provas, trabalhos ou tarefas que é avaliado e não, a sua capacidade para aprender. Para ter bons resultados em atividades assim, é preciso que o aluno tenha, anteriormente, apreendido determinados conteúdos. Se o desempenho nestas avaliações não é o esperado, atribui-se a ele o baixo rendimento. Desconsidera-se uma série de fatores externos que interferem na aprendizagem como, por exemplo, aspectos da própria instituição de ensino: currículos, programas, formas de avaliação, métodos de ensino, atitudes dos professores, condutas disciplinares. Muitas crianças acabam sendo encaminhadas aos serviços especializados em distúrbios de aprendizagem com queixas como desatenção, hiperatividade, desinteresse e indisciplina. Interessante que comportamentos e atitudes como estes podem ser demonstrações de insatisfação com a maneira como, ainda hoje, muitas escolas tentam impor conteúdos a serem assimilados e o que é pior, associar disciplina à passividade. Questionadas com relação a sua capacidade de aprendizado, estas crianças acabam acreditando na existência de distúrbios que as impedem de aprender. Muitas vezes, durante atendimento feito por profissionais especializados, são surpreendidas com resultados acima da média em avaliações que não exigem nenhum conhecimento prévio. Surpreendidos também são aqueles que fizeram o encaminhamento, acreditando que o problema era mesmo do aluno. Não é que os problemas orgânicos não existam, mas em muitos casos, os comportamentos considerados inadequados precisam ser melhor contextualizados, para que as crianças não carreguem sozinhas toda a responsabilidade pelo fracasso escolar.

domingo, 18 de outubro de 2009

Pensamento mágico

Estávamos eu e o Gabriel na janela, olhando o temporal que se armava. Ventava muito e as nuvens se movimentavam rapidamente. Ele disse:

- Mamãe, olha! O céu tá indo lá no parquinho!!!!!

lindo...lindo...lindo

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Dia 15 de outubro

No final de 2000, deixamos São Paulo para viver no interior. O Pedro, nosso filho mais velho, tinha acabado de fazer 4 anos. No seu último dia de aula na capital, recebi da professora de artes, que também era uma das donas da escola Miguilim, um dos conselhos mais valiosos da minha vida: que eu escolhesse muito bem a nova escola porque, caso contrário, ele teria problemas. O Pedro era daquelas crianças que a gente pode chamar de coloridas. Era impossível ser indiferente à presença dele. Estava sempre adiante, lá na frente. Agitado, apressado, mandão com os amigos, tinha que ganhar sempre. Terminava tudo antes dos outros. De comer, de brincar, de fazer as tarefas. Era sempre o primeiro a chegar, o primeiro a falar, o primeiro a responder. Persistente, não desistia jamais. E, por sorte, era carismático. Dava um trabalho a mais aos professores que tinham sempre que encontrar estratégias pra não deixá-lo entediado. Um pouco por minha experiência, mas acho que muito mais por sorte, fizemos a escolha certa. A escola Nosso Cantinho era pequena e ficava numa chácara na mesma rua da nossa casa nova. Lá, ele teve três professoras mais do que especiais: a Gê, a Bel e a Tati. Três exemplos de delicadeza, competência e, acima de tudo, sensibilidade. Sensibilidade pra ver qualidades, onde muitos vêem problemas. Pedro continua colorido e muito feliz. E, com certeza, elas são em grande parte responsáveis. Eu não tenho a menor dúvida disso!
Gê, Isabel e Tati, parabéns a vocês pelo dia de hoje. E obrigada. Vocês moram pra sempre nos nossos corações.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

12 de Outubro

Do livro "Nos labirintos da Moral", de Mario Sergio Cortella e Yves de La Taille.

“É interessante também que o filme (E.T.) trata fortemente de um grande valor, que é a amizade, quase que retomando a virtude da amizade entre os gregos do mundo clássico. Tanto é assim que a cena mais emocionante do filme (que é aquilo que cada um de nós busca sempre) é o encontro dos dedos – que se acendem...Quando o menino e o E.T. encostam seus dedos, surge uma luz, um brilho, que ilumina o coração. E, nesse instante, eles concordam. Em latim, “concordar” é colocar o coração junto; Cum cor é quando você concorda. E o que se vê hoje com freqüência, em uma sociedade como a nossa, é a discordância – são corações que se afastam, e não corações que se aproximam.”

Que a gente aprenda sempre com as crianças como é que se faz pra "colocar o coração junto"...

sábado, 10 de outubro de 2009

Inclusão

O superdotado é alguém que tem uma capacidade bem acima da média em uma área (ou em mais de uma) e, se tem oportunidades, permanece boa parte do tempo envolvido com atividades voltadas à área de interesse. O diagnóstico deve ser feito com cuidado, já que muitas crianças são estimuladas exageradamente e acabam tendo comportamentos que se confundem com a superdotação. As habilidades das crianças superdotadas se mantém ao longo do tempo, o que pode não acontecer com aquelas estimuladas precocemente. Há também diferenças de critério para diagnóstico: QI; aprendizagem espontânea da leitura; alta habilidade em áreas específicas: capacidade intelectual, desempenho escolar, artes, habilidades esportivas e até mesmo capacidade de liderança. Na minha opinião, muitos diagnósticos são feitos precoce e equivocadamente. O olhar do educador precisa ser treinado para considerar em cada criança, suas peculiaridades e necessidades, sem que haja necessariamente um diagnóstico. Toda criança, em algum momento da vida, precisa de um olhar mais atento. Por isso, eu prefiro pensar mais em peculiaridades e, muitas vezes, em circunstâncias, e menos em diagnósticos. No caso da superdotação, acho que cada caso deve ser avaliado individualmente. Uma adequação e uma flexibilização do currículo podem ser suficiente para algumas crianças. Outras, podem precisar de uma intervenção mais especializada, mais pontual. Acho que no Brasil, não se faz inclusão de superdotados, da mesma forma que se faz, ou se pretende fazer, com as deficiências. Talvez porque estas tenham mais apelo emocional. É como se o superdotado fosse um privilegiado, sem a necessidade de uma maior atenção. Mas de qualquer maneira, acho que, na nossa sociedade, uma reflexão sobre a maneira de se fazer diagnóstico é mais urgente do que discutir a inclusão.Vejo casos em que, ao menor sinal de que uma criança apresenta desvios da norma, já se pensa em enquadrá-la em uma patologia qualquer. O que precisamos é aceitar melhor as diferenças, para que a inclusão fique reservada apenas aos casos muito particulares. O nosso olhar é que precisa ser mais inclusivo.

PS. Essa reflexão foi provocada pela Alynie, uma estudante do último ano de Pedagogia, que me pediu pra responder algumas questões para seu trabalho de conclusão de curso, sobre a inclusão de superdotados.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Ensinar menos pra educar mais

Em uma das sessões de avaliação, uma criança de primeira série (a escola pública desta cidade ainda não adotou a nova nomenclatura), chega ao consultório e pede para fazermos tabuada porque está "com muita vontade de fazer tabuada". Eu digo que sim e pergunto:

- O que é tabuada?
- É assim, você faz um risco assim (vertical), e vai fazendo riscos assim (horizontais), coloca uns números aqui, aqui você coloca outros números e vai fazendo umas continhas de vezes. Posso fazer na lousa pra você?
- Pode. Mas me diz uma coisa, você sabe o que é "vezes"?
- Sei, é um xizinho.
- Então olha só. Você está vendo esta caixinha (mostrei a ela uma caixa com 4 divisões)? Eu vou colocar 3 fichas em cada uma dessas divisões. Você sabe me dizer quantas fichas vão ficar aí dentro da caixa?
- Sei.
Pensou um pouco e disse:
- Sete.

Esse diálogo ilustra bem a forma como as crianças estão aprendendo matemática nas escolas. Eu pergunto: pra que saber que 4x3=12 (tabuada), se não entendem que 4x3 significa quatro vezes o número 3 ou; quatro vezes a quantidade 3 ou; que o número 3 aparece quatro vezes ou; que é diferente falar 4x3 e 3x4, embora tenham resultados iguais. Pra que saber que 4x3=12, se não conseguem ainda saber quando é que precisam de uma conta de multiplicação para resolver um problema? Se essa criança joga varetas, por exemplo, e tem que, ao final de cada partida, contar seus pontos, pode aprender adição e multiplicação de forma muito mais significativa e natural. Ou melhor, pode pensar nessas operações antes mesmo de saber que se chamam adição e multiplicação. Se ela consegue pegar 5 varetas verdes e cada uma vale 2, precisa pensar em quantas vezes elas aparecem para saber a quantos pontos correspondem. Pode perceber com mais facilidade que pensar em 5x2 (cinco vezes o ponto 2) faz mais sentido do que em 2x5. Isso sim significa operar sobre quantidades e pensar numericamente.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Filhos

Estávamos eu e o Gabriel (2 anos e 5 meses) no carro, esperando a vovó que tinha entrado no mercadinho do bairro. Ele, solto no banco de trás com os vidros abertos, puxava assunto com todas as pessoas que passavam. Eu, toda orgulhosa no banco da frente, admirava suas gracinhas. De repente, para um carro ao nosso lado, o motorista desce e, enquanto tranca a porta, olha sorrindo para o Gabriel na janelinha que retribui assim: "Oi, cara de bunda!". Bom, eu respirei fundo e tentei não dar valor nenhum ao que ele disse, como se fosse a coisa mais natural do mundo (e pra ele era mesmo). Por alguns instantes, eu até consegui, mas a vontade de rir era tanta, que claro, ele percebeu. Voltou pra janela e continuou: "Oi, cara de bunda!" "Oi, cara de bunda!". Pra todos que iam passando. Eu tentava atraí-lo de todas as maneiras possíveis. "Olha Gabriel que legal isso!"; "Gabriel, vamos colocar a música da barata?"; "Cadê a vovó? Será que ela já tá vindo?". Mas nada era mais interessante do que falar, "Oi, cara de bunda!". A vovó chegou e foi a salvação. Fomos embora e no caminho, a brincadeira continuava. Não só no caminho, como no resto do dia. Aquilo estava realmente muito divertido pra ele. Pra nós também, mas não era muito conveniente que ele soubesse disso. Mesmo sabendo.

À noite eu fui contar pro papai:
"Você não sabe o que o Gabriel aprontou comigo hoje."
"Já sei. Cara de bunda."
"Como você sabe?"
"Você não sabe o que ele fez foi comigo"

E contou:
Estavam ele e o Gabriel na represa comendo amora, quando passou uma moça caminhando. Claro, ele fez uma pausa na história pra dizer que a moça na verdade era mais velha, meio feinha (eles sempre dizem que elas são meio feinhas). Sem parar de caminhar, ela olhou pra eles e disse, "Que jóia!", no sentido de coisa rica. Não sei se jóia, a criança, ou jóia, a cena de pai e filho juntos, que de fato, é linda. O Gabriel, sem nenhuma dúvida, olhou pra ela e disse, "Oi, cara de bunda!". Bom, por sorte, a mulher não tinha parado de caminhar e o que fez, foi olhar pra cara de...paisagem do papai, dar um sorrisinho constrangido e continuar andando. O Gabriel continuou comendo suas amoras como antes. No caminho de volta, era "oi, cara de bunda" pra lá, "oi, cara de bunda" pra cá e o papai então resolveu trocar uma idéia com ele, tentando explicar o que podia ser cara de bunda: uma bunda na cara, uma cara com uma bunda. Era tudo que ele precisava pra achar aquilo tudo ainda mais engraçado.

Depois fui contar para o nosso filho mais velho (13 anos) e orientá-lo a não dar muita bola quando fizesse isso na frente dele. É claro que achou o máximo e é bem provável que dê um jeitinho de ver o irmão fazendo isso na rua.
E assim, vamos apresentando a vida em sociedade aos nossos filhos. Uma pena que para entrar nela, tenham que deixar tanta espontaneidade e pureza pra traz. Aos poucos, vão entendendo que pode ser ofensa o que, pra eles, era apenas uma brincadeira inocente. É o mundo "civilizado".

Mães

Eu conheço uma que hoje deve estar com o coração apertado.
Janusz Korczak, pediatra e educador polonês, em um de seus livros, diz assim a elas:

"É durante as noites sem sono que nasce o seu melhor e espantoso aliado, o anjo da guarda de seu filho: a intuição do coração materno"