sábado, 21 de maio de 2011

Uma boa conversa

_ Você conhece o J. da sua escola?

_ De que ano?

_ Sétimo.

_ É um de cabelo bem raspadinho?

_ É. (a inicial do nome e as características da criança não são verídicas)

_ Conheço. Nossa, ele é tão chato mãe!

_ Por que?

_ Ah. Sei lá.

_ Você acha que ele é um aluno vulnerável a sofrer bullying?

_ Acho.

_ Por quê?

_ Ah. Todo mundo fica zoando com ele. Empurram.

_ E você sabia que ele tem uma inteligência acima da média?

_ É mesmo? Mas por que então ele ficou num monte de recuperação?

_ Porque alguma coisa está interferindo no desempenho dele. Não é por falta de capacidade.

_ Nossa! Mas parece que ele tem algum problema, sei lá.

_ Você sabia que pode jogar com ele de igual pra igual? Quatro em linha, combate, dama e até gamão. Ele tem um raciocínio lógico brilhante.

_ Sério?

_ Sério. Ele joga melhor que muitos alunos. Venceria muitos. Seria tão legal se os colegas pudessem conhecê-lo melhor né? Acho que iam se surpreender, você não acha? Que iam descobrir muitas coisas legais nele.

_ Poxa mãe. Vou dar um toque nos meus colegas pra pararem de zoar com ele.

_ Legal filho. Faz isso sim. Todos os lados vão ganhar. Vocês podem descobrir um amigo bem bacana. E olha, ele está sofrendo bastante, viu? Está se sentindo muito sozinho.



Esse é um papo que tive ontem com meu filho de 14 anos e que fez muito bem pra nós dois. Estou trazendo pra cá só pra ilustrar como a gente pode ajudar. E não ajudar quem sofre o "bullying" (entre aspas porque resisto aos rótulos que são cada vez mais utilizados para tratar questões tão amplas), mas os que cometem, ou os que podem vir a cometer ou ainda, os que apenas observam e não sabem o que fazer. E nem mesmo direito o que pensar. Os adolescentes, todos, precisam de mais informação. Não adianta recriminá-los quando acaba de ocorrer um episódio que pode caracterizar bullying. E daí separá-los em dois lados: o das vítimas e o dos vilões. É nos momentos de paz que precisamos conversar com eles para sensibilizá-los e sugerir que se coloquem no lugar de um outro. Na hora que a coisa acontece, as emoções estão à flor da pele e tudo fica muito nebuloso. Vamos perguntar a eles se têm algum colega que pode estar sofrendo, que pode estar triste, sozinho, sem amigos. Vamos escutar o que eles têm a nos dizer sobre tudo isso. E não esperar que cometam ou sofram violência (psicológica ou física) para só então chamá-los pra conversar. Eles esperam isso de nós. Eles gostam de falar sobre isso. Eles precisam. Todos eles. Os que estão agredindo precisam da mesma ajuda que precisam os que estão sendo agredidos. Se com este papo eu conseguir que meu filho sensibilize ao menos dois amigos, já fico muito feliz. Quem sabe esses dois façam o mesmo. E a rede cresce em proporção geométrica. Uma boa maneira de aplicar o conhecimento que a escola tenta transmitir.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

A elas



Por Bibi da Pieve
Do blog
Leve um casaquinho!



Recém-nascidas

É como se o mundo ficasse numa bandeja à parte, e a gente fosse se servindo de uma beliscada aqui, outra ali – mas o prato que está na nossa frente, aquele do sustento do dia-a-dia, é mesmo o bebê. Ou a maternidade.

Dizem sempre: “dá um trabalho danado, mas é maravilhoso”. Não é um trabalho “danado”. É um aluguel desmedido, coisa que exige total entrega. Digo isso sem a menor culpa porque é a mais pura verdade. Trabalho danado é escrever um livro. Amamentar e cuidar de um bebê é entrega. Tudo que há em você é derramado num copo, e o conteúdo é bebido (sugado) por aquela criaturazinha. Então você quer ser esperta, ou supermulher, ou seja lá o diabo da sua fantasia, e resolve se espremer um pouco para fazer sair mais algumas gotinhas – na esperança de “sobrar” um pouco.

Nada, não sobra nada. É 100% aproveitado pelo bebê, 24 horas por dia. Quanto maior você se achar, mais entrega haverá. Não sei mais o que é desperdício (de tempo ou de amor) e também não guardo nada: tudo é utilizado. E é freqüente a sensação de que preciso abastecer a despensa, senão me esvaio.

De outro lado, “maravilhoso” é um adjetivo que cabe, mas não preenche. Maravilhoso a gente usa até para um pato assado!

Quando olho para a minha filha, perco os caminhos lineares. Não existe olhar/sentir/pensar/formular/dizer. Não existe ordem, nem mesmo o processo de ordenar. É uma experiência tão direta – a mais direta que já conheci – que até me pergunto se posso chamar de experiência. Talvez seja outro tipo de oxigênio ou uma canção.

Um bocejo dela me boceja inteira, um choro me chora, um sorriso involuntário me transforma em alegria da cabeça aos pés. Como é que o budismo classificaria?
Não sei se vem dela ou de mim. Vai ver que vai de cada uma, somos recém-nascidas – a pequena, experimentando as primeiras sensações; a grande, desarticulando idéias. Não me sinto andando com as pernas, é como se alguma coisa lá pela garganta me guiasse.

Em vez de tropeçar, engasgo.


PS: A minha, até hoje, me fala pra não esquecer o casaquinho.