sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Por favor, seu RG, CPF e CID

Muitos psicólogos infantis (espero que a maioria) têm questionado a quantidade de diagnósticos precipitados que se tem feito atualmente, especialmente os de déficit de atenção, com ou sem hiperatividade, e os de dislexia. Para agravar ainda mais esta tendência, os planos de saúde, que agora são obrigados a cobrir sessões de psicoterapia, exigem o código da doença do beneficiário, encontrado numa Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID–10). Para cada doença, há um código correspondente. As operadoras têm procedimentos diferentes, mas em geral, para conseguir delas a autorização para o acompanhamento psicológico, o usuário precisa de uma guia com o diagnóstico (CID) e o número de sessões recomendadas. Prescrição esta, feita por médicos e não pelos próprios psicólogos (favorecimento da classe médica?). A cobertura ou não das sessões vai depender da doença diagnosticada, ou melhor, do código. A quantas o usuário terá direito (variam de 12 a 40 sessões por ano), também vai depender deste número, que vai ainda determinar se o atendimento precisa ser feito por um psicólogo ou se pode ser feito por médicos habilitados e já credenciados no plano. Nestes casos, as operadoras não precisariam contratar psicólogos para cumprir a exigência. Há operadoras, por exemplo, que não têm nenhum psicólogo em sua rede credenciada, com o argumento de que a resolução normativa 167 da ANS, que amplia o Rol de Ações de Saúde, não impõe a contratação de psicólogos, desde que haja médicos habilitados para garantir o cumprimento da lei. Curioso é que a mesma resolução determina que alguns códigos (CID) prevêem que o tratamento seja necessariamente feito por psicólogos.

Entre tantas informações e interpretações, fico com as seguintes questões:

1. Será que um psiquiatra, por mais experiente que seja, consegue, em uma consulta, dar um bom diagnóstico?
2. Devemos necessariamente fazer parte de uma classificação nosológica para precisarmos de um acompanhamento psicológico?
3. Será que não é prejudicial a uma criança e a sua família sair de uma consulta com um código que atribui unicamente a ela uma doença ou um transtorno?
4. Caso o médico explique que o CID colocado na guia tem o objetivo apenas de justificar a cobertura das sessões, não estará contribuindo para desvirtuar um dos objetivos do CID-10 (10, porque a publicação está na sua décima edição), que é promover estatísticas relacionadas à morbidade e mortalidade?
5. E os casos em que há sofrimento psíquico sem, no entanto, haver uma classificação para ele? Ou seja, os tratamentos preventivos na área da saúde psíquica continuam excluídos do Rol?

Sem dúvida, um grande avanço. Mas há muito ainda pra se discutir.