sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Filhos

Estávamos eu e o Gabriel (2 anos e 5 meses) no carro, esperando a vovó que tinha entrado no mercadinho do bairro. Ele, solto no banco de trás com os vidros abertos, puxava assunto com todas as pessoas que passavam. Eu, toda orgulhosa no banco da frente, admirava suas gracinhas. De repente, para um carro ao nosso lado, o motorista desce e, enquanto tranca a porta, olha sorrindo para o Gabriel na janelinha que retribui assim: "Oi, cara de bunda!". Bom, eu respirei fundo e tentei não dar valor nenhum ao que ele disse, como se fosse a coisa mais natural do mundo (e pra ele era mesmo). Por alguns instantes, eu até consegui, mas a vontade de rir era tanta, que claro, ele percebeu. Voltou pra janela e continuou: "Oi, cara de bunda!" "Oi, cara de bunda!". Pra todos que iam passando. Eu tentava atraí-lo de todas as maneiras possíveis. "Olha Gabriel que legal isso!"; "Gabriel, vamos colocar a música da barata?"; "Cadê a vovó? Será que ela já tá vindo?". Mas nada era mais interessante do que falar, "Oi, cara de bunda!". A vovó chegou e foi a salvação. Fomos embora e no caminho, a brincadeira continuava. Não só no caminho, como no resto do dia. Aquilo estava realmente muito divertido pra ele. Pra nós também, mas não era muito conveniente que ele soubesse disso. Mesmo sabendo.

À noite eu fui contar pro papai:
"Você não sabe o que o Gabriel aprontou comigo hoje."
"Já sei. Cara de bunda."
"Como você sabe?"
"Você não sabe o que ele fez foi comigo"

E contou:
Estavam ele e o Gabriel na represa comendo amora, quando passou uma moça caminhando. Claro, ele fez uma pausa na história pra dizer que a moça na verdade era mais velha, meio feinha (eles sempre dizem que elas são meio feinhas). Sem parar de caminhar, ela olhou pra eles e disse, "Que jóia!", no sentido de coisa rica. Não sei se jóia, a criança, ou jóia, a cena de pai e filho juntos, que de fato, é linda. O Gabriel, sem nenhuma dúvida, olhou pra ela e disse, "Oi, cara de bunda!". Bom, por sorte, a mulher não tinha parado de caminhar e o que fez, foi olhar pra cara de...paisagem do papai, dar um sorrisinho constrangido e continuar andando. O Gabriel continuou comendo suas amoras como antes. No caminho de volta, era "oi, cara de bunda" pra lá, "oi, cara de bunda" pra cá e o papai então resolveu trocar uma idéia com ele, tentando explicar o que podia ser cara de bunda: uma bunda na cara, uma cara com uma bunda. Era tudo que ele precisava pra achar aquilo tudo ainda mais engraçado.

Depois fui contar para o nosso filho mais velho (13 anos) e orientá-lo a não dar muita bola quando fizesse isso na frente dele. É claro que achou o máximo e é bem provável que dê um jeitinho de ver o irmão fazendo isso na rua.
E assim, vamos apresentando a vida em sociedade aos nossos filhos. Uma pena que para entrar nela, tenham que deixar tanta espontaneidade e pureza pra traz. Aos poucos, vão entendendo que pode ser ofensa o que, pra eles, era apenas uma brincadeira inocente. É o mundo "civilizado".

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