quinta-feira, 2 de junho de 2011

Será que não pode mesmo?

Muita gente acha que as crianças, desde muito cedo, precisam ter claro sobre o que podem e o que não podem mexer. Há os pais que se recusam a mudar qualquer detalhe da decoração da casa, porque acreditam que os filhos é que precisam se adaptar ao ambiente. As brincadeiras deles devem se limitar ao quarto cheio de brinquedos. Mas será que os brinquedos que costumamos dar a eles atendem as suas necessidades (cognitivas, afetivas, motoras, sensoriais)? E será mesmo que eles é que devem se adaptar ao ambiente? Não podemos mudá-lo, ao menos por um período, em função da chegada deles? Eles viram de ponta cabeça as nossas vidas e por que a sala de estar tem que continuar a mesma como se nada tivesse ocorrido?
Uma criança que entra na cozinha e pega vários potes de plástico (o que raramente é permitido), para brincar com eles da maneira que bem entender, e com muita seriedade, pode fazer isso para atender alguma necessidade cognitiva, por exemplo. Quando tenta colocar um dentro do outro, está seriando. Quando separa tampas de um lado e potes do outro, está classificando. Quando, depois disso, procura a tampa de cada um dos potes, está fazendo correspondências. Está quantificando, comparando e, principalmente, escolhendo de que forma quer ou pode desenvolver essas noções. Noções que, lá adiante, serão pré-requisitos para aprender a matemática. No entanto, nós adultos temos receio de que, ao permitirmos isto, estaremos cedendo aos seus caprichos e vontades. Ela pode crescer sem limites, achando que pode fazer tudo que quiser. Em primeiro lugar, eu diria que estaremos sim cedendo. Mas mais às suas necessidades e interesses do que às suas vontades. Mas se ela tem, no quarto dela, aquele conjuntinho de cinco potes iguais, mas de tamanhos diferentes, que vem um dentro do outro, por que é que precisa dos potes “de verdade”? Será que o conjuntinho dela desafia tanto assim, como os da cozinha que não estão já arrumadinhos um dentro do outro e nem são assim tão iguais, diferentes apenas nos tamanhos? Será que os da cozinha não oferecem mais possibilidades de arranjos?
E aqueles livros gigantes de arte do papai e da mamãe então? Aqueles que ficam no rack e que raramente alguém usa? Uma delícia fazer com eles quase a mesma coisa que se faz com os potes da cozinha. De jeito nenhum. Os livros de arte? Nunca. Será que os mais especiais não podem ir pra um outro lugar, por um período, até que eles não sejam mais tão sedutores e, por que não, tão necessários? Por que não ficarem ali os que podem ser empilhados, organizados, arrumados, comparados, percebidos, olhados, “lidos”. Os pesados, os leves, os enormes, os finos, os grossos, os retangulares, os quadrados, os que só têm ilustrações, os que têm ilustrações em PB apenas, etc...
É claro que tudo isso depende das peculiaridades de cada família. Difícil esperar de uma família extremamente organizada, que permita uma festa de potes na cozinha. É claro também, que nem sempre estamos disponíveis e com paciência para encorajar as aventuras dos pequenos. Mas com isto eles também vão ter que aprender a conviver. E tem ainda os objetos que são indiscutivelmente proibidos. Os vidros, o fogão (nem perto dele), as facas, os objetos com pontas. Alguns, podemos e devemos deixar fora do alcance. Não deixar que mexam nesses, com o argumento claro e objetivo de que são perigosos, também é prova de amor. Até por isso é que gostam (e precisam) tanto de brincar perto dos pais. Algumas referências nós é que precisamos dar a eles.
Ter as mais diversas oportunidades de exploração é garantia de maior sucesso na aprendizagem da matemática. Não há dúvida disso. Matemática é estabelecer relações. E quanto mais coisas em relação a criança puder colocar, mais fácil pra ela vai ser colocar propriedades abstratas em relação lá na frente. Além disso, se olharmos pra estas incansáveis buscas das crianças como resultado de necessidade e não de capricho ou mimo, estaremos também favorecendo um desenvolvimento emocional mais saudável, porque estaremos compreendendo-as e não apenas ocupados em “colocar limites”. Até porque, limites também devem ser superados. Desenvolver-se é superar limites e não apenas respeitá-los.