Moro em condomínio. Num desses bem
pitorescos que vendem a tal da qualidade de vida, onde crianças
podem brincar tranquilamente nas ruas e estarão protegidas da
violência lá de fora. Sim. Isso me deixa cheia de conflitos.
Afinal, quando escolhemos morar dentro, aceitamos segregar. Segregar
pessoas. Trabalhadores honestos. Os mesmos que viabilizam o sonho
dos que se sentem “protegidos” lá (aqui) dentro.
Há poucos meses, questionei a
administração por que razão empregadas domésticas e pedreiros
precisam de antecedentes criminais para seus cadastros, e
profissionais como arquitetos, engenheiros, etc...não (não
precisam). Não são todos prestadores de serviço? Se a empregada
doméstica precisa, o arquiteto também tem que ir atrás do seu.
Não? Na verdade, nem um nem outro deveria precisar. A defesa da
propriedade não pode justificar a violação dos direitos mais
básicos de um trabalhador. Seja ele arquiteto, ou pedreiro. Por
indignação, informei que não gostaria de pedir este documento à
minha faxineira. E não pedi. Por indignação, mas acho que também
para atenuar meus conflitos. Se eu consigo mudar pelo menos isso,
minha passagem por condomínio terá valido a pena.
Mas é de outra coisa que eu quero
falar. Outra que me inquieta tanto quanto: as ruas vazias de crianças
brincando. Bem diferente dos slogans que vendem o paraíso. Onde elas
estão? Dentro das casas? Nas aulas extras que enchem o período que
não estão na escola? No computador? Na televisão? Quietinhas?
Obedientes? Nas salas arrumadinhas? E onde será que elas gostariam
de estar? Ou melhor, onde será que elas precisariam estar? É CLARO
que brincando. E brincando muito. Na maior parte do tempo. Dentro de
casa, fora, na rua, no quintal. Mas brincando. Fazendo barulho.
Fazendo de conta. E com outras. Diariamente. E não só nos fins de
semana, como fazem os adultos que esperam a semana toda por eles para
ter lazer. Trabalho de criança é brincar. E é trabalho muito
sério. Privar crianças disso também é violência.
A classe média fica indignada com o
trabalho infantil. Defende que criança não pode trabalhar, que tem
que brincar. Mas ela faz o mesmo quando não coloca o brincar como a
coisa mais importante da vida dos seus filhos. Tão importante quanto
todas as outras necessidades básicas, para um desenvolvimento
saudável. Físico e emocional. Se uma criança precisa ter suas
necessidades básicas bem atendidas para ter, por exemplo, um bom
desempenho escolar (e com isso ninguém discorda), então ela também
precisa brincar todo santo dia. É como comer. Brincar é
necessidade básica.
A origem da palavra brincar é latina
e vem de vinculum (laço, vínculo), passou a vinclu,
vincru, vrinco e chegou a brinco. Li em algum
lugar que brincos eram, na mitologia grega, pequenos deuses que
ficavam voando em torno de Vênus, alegrando-a e enfeitando-a. Não
consegui comprovar a veracidade dessa informação. Mas é
interessante pensar que de vínculo passou a enfeite. Adorno. Que é
exatamente o que tem acontecido com o brincar hoje. Ele vem como
adorno, como prêmio. Depois que coisas consideradas mais importantes
já foram garantidas (estudo, tarefas, aulas de línguas, música,
esporte dirigido, etc, etc, etc....).
Nietzsche dizia
que “o homem chega à sua maturidade quando encara a vida com a
mesma seriedade que uma criança encara uma brincadeira”. Quando
uma criança está brincando, algo de extrema relevância está
acontecendo. É muito triste ver que a defesa desse direito pode vir
a se tornar uma luta política. E mais triste ainda: uma luta diária
da própria criança. Uma batalha. Ela precisa de muito pouco pra brincar. De
tempo, de parceiros e da permissão do adulto. O resto, ela inventa.
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