Bares fecham. Lojas fecham. Restaurantes fecham. Hotéis fecham. Farmácias fecham. Cinemas fecham. Hospitais fecham. Gráficas fecham. E escolas, também fecham. Simplesmente, fecham. Afinal, ninguém abre escola só porque ama educação. Pessoas abrem escolas também porque querem ganhar dinheiro com escolas. Abrem um negócio. E quando não ganham, ou quando perdem, fecham. Mas dessa vez, não foi qualquer escola que fechou. Foi a escola do nosso filho Gabriel. A mesma que foi do nosso filho Pedro, durante 11 anos. Onze é bastante (quase tudo) pra quem só tem 16.
Desde que viemos de São Paulo pra Vinhedo, em 2000, já estamos na terceira casa. Mas de escola, nunca mudamos. Era sempre o quintal das nossas casas. Com tudo que um quintal de verdade tem. Tartaruga, pés de frutas, folha seca, árvores pra subir, esconderijos secretos, mato, cheiro de chuva quando chove, chão batido. A escola que quase sempre teve a Tati, que teve a Pri, a Lia, a Anita, a Mi, o Seu Orlando jardineiro, a Marina morena, a Nádia, o Gu, a Manu, o Thiago, o Thiagão, o Ban Ban, o Seu Brandão, a Bel, a Geruza, a Wal, a Claudinha e o Leite, a Monica...... A escola que teve de tudo. Até mesmo greve de professores que durou um dia só. A que já se chamou “Nosso Cantinho” quando era da tia Cleimar e do tio Luiz. A vó Marta, mãe da tia Cleimar, escrevia os recadinhos nas agendas das crianças. Todos os dias algo assim: “papai e mamãe, hoje eu brinquei muito, tomei todo meu lanchinho e me diverti bastante.......”. E eu pensava, “mas poxa, será que precisam escrever como se fosse a criança escrevendo, será que é isso mesmo que o Pedro teria escrito, se já soubesse escrever?” Ele era tão feliz ali, que eu acho que sim. E aquilo passava a ser só um detalhe.
O “Nosso Cantinho”, pra crescer um pouquinho, virou Anglo Campinas, e de cantinho da tia Cleimar foi virando outra coisa. Mas o Pedro, de tão feliz que estava, bateu o pé e quis continuar ali, onde não admitiriam mais bilhetinhos em primeira pessoa, nem que professoras fossem tias. A casa avarandada da família Gasparini virou o térreo do prédio moderno do Anglo. O logotipo com o desenho de uma casinha deu lugar ao leão já conhecido. E a tia Cleimar foi embora. O motivo não vem ao caso. E na verdade, eu nem sei direito. Ouvi várias histórias diferentes na época. Mas é provável que tenha ido porque cantinhos não combinam muito com empreendedorismo. Cantinhos são pros que limitam a ambição, pros que não precisam de muito pra serem felizes. A tia Cleimar e o tio Luiz encontraram outro cantinho. Diferente daquele que, mesmo tendo virado Anglo, nunca perdeu seu charme, seu cheiro de mato. Dizem que era condição do Gasparini que a natureza fosse integrada a qualquer que fosse o novo projeto. Podiam subir prédios, mas jamais derrubar árvores. Conseguiram. Como disse um dos pais, conseguiram harmonizar modernidade com o estilo fazendinha.
Depois de algumas crises e de muitos alunos perdidos, a escola resolveu abaixar as mensalidades, na tentativa de atrair novos alunos e manter os que ainda não haviam saído. A escola lotou naquele ano. Mas novas crises vieram e o Anglo Campinas virou Anglo Campinas COC. Sistema COC de ensino. Fora a lousa digital, pouca coisa mudou. As mensalidades baixas foram mantidas. Muitos se perguntavam: como sobreviveriam com aquelas mensalidades tão abaixo do valor de mercado.? Mas nenhum de nós (a mensalidade do Pedro foi cortada pela metade.......que bom!) cogitou pagar mais ou manter o que já se pagava. Nenhum de nós questionou se aquela seria a melhor estratégia, mesmo questionando todo o resto, o tempo todo. Consequências? Atrasos nos pagamentos, professores insatisfeitos, cortes, nova evasão de alunos. Mais crises. Não sobreviveram.
E agora, alguns me perguntam se não vamos processá-los já que foram tão, acima de tudo, anti- éticos. Afinal, dias antes de começarem as aulas, avisaram-nos que novos mantenedores assumiriam, mesmo tendo todas as matrículas feitas e as parcelas de janeiro pagas. Por impedimento legal, também não assumiram. Teriam que assumir todo o passivo. Resultado? Centenas (acho que não mais que duas) de pais à procura de uma nova escola para seus filhos. No nosso caso aqui, à procura de uma que o ajudasse a ser feliz. E pra nós, uma criança, pra ser feliz, precisa brincar. Brincar muito. Quase o tempo todo. Precisa de quintal. De pés de frutas, folha seca, árvore pra subir, esconderijos secretos, mato, cheiro de chuva quando chove, chão batido. Da tartaruga, a gente até abre mão. Até porque, tem uma no quintal da vovó Ada e do vovô Chico. Mas não abrimos mão de deixá-lo ser como passarinho. Pra viajar muito e inventar um quintal, se não houver um de verdade.
Não. Não vamos processá-los. Pode ter havido erro no lugar de má intenção. E erros nem sempre são cometidos pra se fazer o mal. Ganhamos ali bem mais do que perdemos. Não queremos carregar ressentimentos e andar pesados. Preferimos as boas e leves recordações.