Sempre que escuto discussões a respeito dos problemas do nosso país, e em especial, das relações políticas perversas e corruptas, eu tenho a mesma convicção: somente as crianças seriam capazes de construir, lá na frente, uma sociedade mais justa, se recebessem, hoje, uma educação que tivesse como prioridades uma formação moral sólida e um desenvolvimento emocional saudável. Essa convicção é, por um lado, consequência da minha formação profissional. Por outro, resultado da educação que recebi e da convivência com algumas pessoas que fui encontrando pelo caminho.
No ano passado, fui aluna de um curso que tinha como proposta, a leitura dirigida de alguns dos muitos capítulos da obra de Winnicott. Tive a sorte de usar todos os livros de um tio muito querido, que passou boa parte da vida estudando com profundidade toda a sua obra. Todos, repletos de anotações. É claro que o curso ficou bem mais gostoso do que teria sido se os tivesse comprado. Lia Winnicott e tio Adolfo ao mesmo tempo. Das pessoas que conheci, era uma das que mais valorizava e respeitava a relação de uma mãe com o seu bebê. Talvez, esteja aí a essência do pensamento de Winnicott.
Tudo isso, pra dizer um pouco do que aprendi com os dois (e com a maternidade, é claro) sobre "a contribuição da mãe para a sociedade" (nome de um dos capítulos da sua obra).
Winnicott, psicanalista inglês que estudou com profundidade a vida do bebê, ao tentar atribuir um significado psicológico ao termo democracia, sugere que uma sociedade verdadeiramente democrática é constituída por uma maioria de pessoas consideradas maduras do ponto de vista emocional. Para pensar numa sociedade democrática, portanto, seria preciso pensar nos seus membros individualmente. Maturidade da sociedade sugere maturidade de uma proporção ideal de membros saudáveis.
Para o autor, um indivíduo maduro é aquele que apresenta um grau satisfatório de desenvolvimento emocional compatível com sua idade cronológica e o meio em que vive. Esse desenvolvimento dependeria de um ambiente satisfatório, capaz de se adaptar às necessidades do bebê, fase em que o ser humano está num estado de dependência absoluta.
A mãe, segundo o psicanalista, seria a pessoa mais apta a assumir essa adaptação, em função de um estado de sensibilidade aumentada que ela desenvolve no final da gravidez e nas primeiras semanas de vida do bebê, e que Winnicott chamou de preocupação materna primária. Essa “doença normal” permite a ela identificar-se com seu filho e assim, reconhecer e atender suas verdadeiras necessidades. Ele considera possível que outras pessoas desenvolvam essa capacidade de identificação com o bebê. A diferença é que com a mãe isso pode se dar mais naturalmente. Se essa adaptação acontece de forma "suficientemente boa", o bebê consegue se desenvolver harmonicamente sem a necessidade de reagir a invasões do ambiente para as quais não está preparado. O desenvolvimento em direção à maturidade pode então prosseguir da maneira mais harmônica possível e a dependência absoluta vai dando lugar a uma dependência relativa, em que o bebê começa a perceber a realidade externa. Nesta transição, é importante que tenha início uma desadaptação gradual da mãe ao bebê, em que pequenas falhas suportáveis favoreçam este percurso.
Segundo Winnicott, o ser humano tem uma tendência natural a um padrão de vida democrático que para ser atendido, dependeria de uma provisão ambiental adequada. A sociedade, por sua vez, dependeria de uma proporção significativa de membros saudáveis, para se tornar um sistema verdadeiramente democrático.
Em qualquer sociedade ou comunidade, essa possibilidade pode ser comprometida em função da presença de indivíduos anti-sociais ou que têm uma tendência imatura a se identificar com a autoridade, para suprir uma insegurança interna. Winnicott considera que, em ambos os casos, embora neste último, de uma maneira oculta, a tendência anti-social está presente. E em nenhum deles, pode-se falar em pessoas inteiras capazes de construir uma sociedade democrática. Há ainda, os indivíduos que não se definiram. Para o autor, somente uma proporção suficientemente grande de seres saudáveis seria capaz de influenciar o maior número dos ”indeterminados”, incorporando-os a eles.
Para Winnicott, a tendência democrática não deve ser imposta a uma sociedade, mas deve nascer em ambientes que ele chamou de “bons lares comuns”. Os verdadeiros criadores da tendência democrática seriam então o homem e a mulher comuns, capazes de construir um lar saudável comum. A mãe, por meio da sua devoção no início da vida de seus filhos e o pai, oferecendo proteção para que ela consiga ser suficientemente boa em sua tarefa. A maneira como todas as outras pessoas podem contribuir é não interferindo, ou interferindo da forma menos invasiva possível na dinâmica natural deste arranjo.
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
Ensino Fundamental de 9 anos
Os antigos primário e ginásio, com duração de 8 anos, são hoje o ensino fundamental que, com a aprovação da lei 11.274 de fevereiro de 2006, é ampliado para 9 anos. Na prática, o último ano da educação infantil passa a ser o primeiro do ensino fundamental e, portanto, obrigatório. Primeira série é hoje segundo ano. Nós, adultos, precisamos de um tempo para pensar em ano e não mais em série. Para as crianças, é ainda mais complicado. Sei de um menino que passou um tempo pensando que estava na mesma série porque saiu de uma escola (particular) que já tinha adotado a nomenclatura nova e foi para uma pública, que deixou para fazê-lo em 2010 (prazo para as escolas se adequarem). Terminou o segundo ano na particular e começou a segunda série na pública (que na outra já se chamava terceiro ano).
O objetivo da ampliação é aumentar o tempo de escolaridade das crianças que entram direto no fundamental sem passar pela educação infantil. A idéia é boa. No entanto, fico na dúvida se as mudanças curriculares que, de acordo com o MEC se fazem necessárias, não farão com que as crianças sejam expostas precocemente ao ensino formal. Uma das respostas que encontrei na seção de dúvidas frequentes da Secretaria de Educação Básica foi a seguinte:
"21. O conteúdo do primeiro ano do Ensino Fundamental de nove anos é o conteúdo trabalhado no último ano da pré-escola de seis anos?
Não. A Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, não tem como objetivo preparar crianças para o Ensino Fundamental; tem objetivos próprios que devem ser alcançados na perspectiva do desenvolvimento infantil respeitando, cuidando e educando crianças no tempo singular da primeira infância. No caso do primeiro ano do Ensino Fundamental a criança de seis anos, assim como as demais de sete a dez anos de
idade, precisam de uma proposta curricular que atenda suas características, potencialidades e necessidades específicas dessa infância."
Depois de ler, fiquei com uma dúvida ainda maior:
De acordo com a resposta, a Educação Infantil (o que inclui o seu último ano, hoje primeiro ano do fundamental) tinha como objetivo atender as particularidades daquela idade (6 anos). Objetivo que deve ser o mesmo para o primeiro ano do Fundamental de 9anos. O que é então que precisa ser mudado nas propostas curriculares, se as necessidades das crianças permanecem as mesmas, apesar das mudanças? Há inclusive um Referencial Nacional para a Educação Infantil, elaborado para auxiliar os educadores no trabalho com crianças até 6 anos. Há pouco tempo, perguntei à coordenadora de uma escola particular, no interior de São Paulo, se houve alguma mudança curricular com a introdução do fundamental de 9 anos. Ela respondeu que não, que era apenas uma questão de nomenclatura mesmo. Até porque, na rede privada, as crianças não dependem desta reestruturação para serem matriculadas aos 6 anos. Muito antes disso já estão frequentando as escolas. Não seria então mais conveniente investir na Educação Infantil que já existe, ampliando-a para que mais crianças da rede pública pudessem se beneficiar dela?
O objetivo da ampliação é aumentar o tempo de escolaridade das crianças que entram direto no fundamental sem passar pela educação infantil. A idéia é boa. No entanto, fico na dúvida se as mudanças curriculares que, de acordo com o MEC se fazem necessárias, não farão com que as crianças sejam expostas precocemente ao ensino formal. Uma das respostas que encontrei na seção de dúvidas frequentes da Secretaria de Educação Básica foi a seguinte:
"21. O conteúdo do primeiro ano do Ensino Fundamental de nove anos é o conteúdo trabalhado no último ano da pré-escola de seis anos?
Não. A Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, não tem como objetivo preparar crianças para o Ensino Fundamental; tem objetivos próprios que devem ser alcançados na perspectiva do desenvolvimento infantil respeitando, cuidando e educando crianças no tempo singular da primeira infância. No caso do primeiro ano do Ensino Fundamental a criança de seis anos, assim como as demais de sete a dez anos de
idade, precisam de uma proposta curricular que atenda suas características, potencialidades e necessidades específicas dessa infância."
Depois de ler, fiquei com uma dúvida ainda maior:
De acordo com a resposta, a Educação Infantil (o que inclui o seu último ano, hoje primeiro ano do fundamental) tinha como objetivo atender as particularidades daquela idade (6 anos). Objetivo que deve ser o mesmo para o primeiro ano do Fundamental de 9anos. O que é então que precisa ser mudado nas propostas curriculares, se as necessidades das crianças permanecem as mesmas, apesar das mudanças? Há inclusive um Referencial Nacional para a Educação Infantil, elaborado para auxiliar os educadores no trabalho com crianças até 6 anos. Há pouco tempo, perguntei à coordenadora de uma escola particular, no interior de São Paulo, se houve alguma mudança curricular com a introdução do fundamental de 9 anos. Ela respondeu que não, que era apenas uma questão de nomenclatura mesmo. Até porque, na rede privada, as crianças não dependem desta reestruturação para serem matriculadas aos 6 anos. Muito antes disso já estão frequentando as escolas. Não seria então mais conveniente investir na Educação Infantil que já existe, ampliando-a para que mais crianças da rede pública pudessem se beneficiar dela?
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